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(Re)Existência: a representatividade dos negros importa

Atualizado: 14 de nov. de 2018

Entre avanços e retrocessos, observamos o aumento da presença dos negros na moda e na TV

Foto: Instagram/spfw

Por Anna Beatriz Oliveira


O Brasil é o país que mais tem habitantes negros fora da África. Essa afirmação pode ser confirmada com dados, pois segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população brasileira se autodeclarou preta ou parda em 2016 – número que cresceu nos últimos anos por causa do aumento da discussão sobre identificação com cor e raça.


No entanto, as mesmas estatísticas do IBGE mostram que estamos longe do cenário ideal: em média, brancos têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são maioria entre os que frequentam ensino superior. Os indicadores socioeconômicos da população preta e parda, assim como o dos indígenas, costumam ser bem mais desvantajosos.


"Muitas pessoas começam a se descobrir negras a partir do momento em que conversam sobre racismo. É muito mais fácil você negar e se colocar em outra posição, dizer que é uma pessoa morena. Esse debate foi ampliado e as redes sociais ajudaram muito nesse quesito de se identificar como negro na sociedade", relatou Laís Franklin Vieira, repórter da Vogue Brasil, ao Por Trás da Moda.


Não há como falar de representatividade de negros sem destacar que, mesmo 130 anos após a abolição da escravidão, dois problemas persistem: o racismo é parte de nossa sociedade e, até hoje, grande parcela da população negra do Brasil não tem acesso a direitos fundamentais. Isso acontece porque, no período , não foi pensada uma política de inclusão desta parte da população no mercado de trabalho formal, fazendo com que os negros acabassem excluídos da sociedade.


Um avanço é o fato de podermos observar hoje, 2018, o crescimento da presença de pessoas negras nos espaços sociais, como é o caso da TV, do mercado publicitário e da moda – com o aumento do número de modelos e atrizes negras nas capas de revistas, marcas que se identificam com o afro e os desfiles como os da Laboratório Fantasma, grife do cantor Emicida, na São Paulo Fashion Week.


"Existe um estigma enraizado na moda de que pessoas negras vendem menos, falando de marcas e de capas de revistas. Mas a Taís Araújo foi capa da Glamour Brasil em junho de 2018, e essa foi a edição que mais vendeu. Depois de perceber essa realidade, a Condé Nast [editora das revistas Vogue e Glamour] resolveu criar um grupo de diversidade: funcionários da empresa passaram a visitar companhias referências em diversidade para se informar e se inspirar”, contou Alline Cury, redatora-chefe da Glamour Brasil, ao Por Trás da Moda.


Sobre o assunto, Laís completou: "Hoje não podemos pensar em fazer uma edição de revista sem colocar uma modelo negra, por exemplo. Anos atrás, não ter negros em uma publicação era um discurso ecoado sem ser percebido, muitas vezes porque não existiam pessoas negras inseridas no setor para dizer o contrário."

O mercado fashion parece estar abraçando a representatividade negra nas vitrines e passarelas. Alguns destaques da 46ª edição do São Paulo Fashion Week, que aconteceu entre 21 e 26 de outubro de 2018, foram os desfiles da marca de moda praia Água de Coco, que diversificou seu casting com variedade de raças, cores e idades, e da Apartamento 03, que contou apenas com negras no palco.


Apesar disso, a representatividade nos bastidores não é nem um pouco parecida, como contou a cantora Luedji Luna durante o evento Não Somos Escravos da Moda, ocorrido no dia 21 de outubro de 2018 em São Paulo. "Quando participo de determinado trabalho, percebo que a minha figura simboliza muito para aquela marca. Mas todo o resto da equipe é branca. Maquiadores e cabeleireiros negros existem, mas são invisibilizados. É importante que essas pessoas sejam vistas no mercado de trabalho para que possam servir de influência."


A exposição desse ângulo nada glamouroso da indústria da moda não é de hoje. Em 2015, o relato da modelo sudanesa Nykhor Paul viralizou nas redes sociais: ela escreveu um longo texto às “queridas pessoas brancas do mundo da moda”, criticando os maquiadores profissionais pelo despreparo em cuidar da pele negra e reclamando do tratamento diferenciado recebido pelas modelos brancas.


“Moda é arte e arte nunca é racista, deveria incluir a todos e não apenas as pessoas brancas. Nós começamos a moda na África e vocês a modernizaram e copiaram. Por que não podemos fazer parte da moda de forma plena e igualitária?”, questionou Nykhor Paul em um trecho do relato. “Nós precisamos de mais modelos de cor no mundo da moda. E, por favor, não cubram a minha beleza natural.”

A inclusão da pessoas negras em diversos aspectos do mercado, não se restringindo ao setor da moda, é importante para a representatividade. Em pleno século XXI, não podemos ter como exemplos somente uma jornalista negra, uma estilista negra ou uma atriz negra.

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