Por que falar de trabalho escravo ainda é um assunto importante no país?
- Anna Beatriz Oliveira
- 18 de out. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2018
A escravidão no Brasil foi abolida em 1888, mas os problemas com as condições de trabalho persistem, especialmente na moda

Por Anna Beatriz Oliveira
Condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas, trabalho forçado e servidão por dívida. Essas podem parecer características que deixaram de existir no século passado, mas que, por incrível que pareça, ainda estão presentes no século XXI e qualificam o trabalho escravo contemporâneo.
O Brasil reconheceu formalmente a existência contemporânea da escravidão em seu território em 1995. Segundo dados publicados na Cartilha do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2018, desde então mais de 35 mil trabalhadores foram retirados dessas condições, recebendo seus direitos trabalhistas. Os infratores, por sua vez, vêm sendo severamente cobrados pelo órgão através da assinatura de Termos de Ajustes de Conduta e respondendo a Ações Civis Públicas.
E a indústria têxtil não fica de fora deste fenômeno. O chamado "trabalho escravo urbano" é um setor ao qual o MPT se dedica desde 1980 – e em 2002, no âmbito do órgão, foi criada a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATE). De acordo com o Ministério, o termo tem origem no aliciamento feito com trabalhadores imigrantes, grande parte vindos da Bolívia e do Peru, que são a mão de obra encontrada nas microoficinas que alimentam a cadeia produtiva de grandes empresas do setor.
"O MPT observou a presença marcante de trabalhadores estrangeiros na área, isso porque em seus países de origem as condições são muito piores do que as encontradas no Brasil", relatou Elisiane dos Santos, especialista do MPT, durante o evento Não Somos Escravos da Moda, realizado em 21 de outubro de 2018, em São Paulo. “Para eles, as promessas de vir para o Brasil, ter um trabalho e formas de subsistência dignas são atraentes. Mas quando chegam aqui, acabam sendo submetidos a condições de confinamento, por exemplo", completou.
Como consumir de maneira consciente?
Por essas e outras razões, o processo de comprar roupas não engloba apenas escolher cores e modelos. Mais importante ainda é verificar o tipo de mão de obra usado na confecção e se certificar de que a peça é produzida de maneira responsável.
O consumo consciente incentivou a criação do aplicativo Moda Livre. A proposta é trazer ao público, de forma ágil e acessível, as medidas que diversas marcas – as principais varejistas de roupas do país e empresas que já foram flagradas pelos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – vêm tomando para evitar que as peças vendidas em suas lojas sejam produzidas por mão de obra escrava.
Até outubro de 2018, a ferramenta monitorava 77 empresas.
Imagens: Reprodução/Moda Livre via App Store
O levantamento de dados é um instrumento importante para discutir quais pessoas são mais atingidas pelo trabalho escravo: imigrantes, negros e crianças. Essas informações são fundamentais para que possamos avançar nas políticas públicas e debater as causas estruturais das situações análogas à escravidão.
“Em 2013, o MPT fez um estudo que mostrou que 90% dos trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão eram crianças. Outros sensos do trabalho infantil mostram que 70% desse tipo de trabalho é realizado por crianças negras. Esses números ilustram a relação entre racismo e trabalho escravo”, disse Valdirene de Assis, especialista do MPT, durante o evento Não Somos Escravos da Moda.
Analisando o caso da indústria têxtil em específico, graves ocorrências de exploração de trabalhadores já foram registradas em empresas que atuam no Brasil e são bastante conhecidas pelos consumidores: Zara, Renner e M. Officer são alguns exemplos. O grande problema do setor é que o sistema de produção é extremamente fragmentado, o que dificulta a fiscalização das autoridades.
No início de 2018, o MPT divulgou dados revelando que o número de operações de fiscalização para a erradicação do trabalho escravo diminuiu 23,5% em 2017, em relação ao ano anterior. No mesmo ano, o total de trabalhadores resgatados também apresentou queda: foram 341 pessoas encontradas em situação análoga à escravidão, uma queda de 61,5% em relação à 2016 – quando foram resgatados 885 indivíduos.
A partir da análise de que o Brasil é um dos principais polos têxteis do mundo e representa o quarto maior parque produtivo de confecção – empregando 1,479 milhão de funcionários diretos –, o Instituto Fashion Revolution Brasil, em parceria técnica com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lançou em outubro de 2018 a primeira edição do Índice de Transparência de Moda Brasil. O estudo traz uma análise de 20 grandes marcas e varejistas do mercado brasileiro, classificadas de acordo com a quantidade de informações disponibilizadas sobre suas políticas, práticas e impactos sociais e ambientais, e pode ser acessado aqui.
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