Como as marcas de luxo mantém suas histórias e tradições atuais?
- Anna Beatriz Oliveira
- 16 de out. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de nov. de 2018
Com o avanço tecnológico, o grande desafio de marcas centenárias é continuar sendo relevantes para seu público

Por Amanda Ravelli, Anna Beatriz Oliveira e Bárbara Gaspar
Chanel, Louis Vuitton, Gucci, Hermès, Prada. Presentes no comércio há anos, tais marcas agora enfrentam uma das maiores adversidades dos últimos anos: a relação entre timeless e timely. O desafio dessas labels tão conhecidas é continuar atrativas para os novos públicos, inseridos em uma faixa etária que tem outros tipos de dinâmicas e conexões.
Ninguém melhor para comentar o assunto do que Carlos Ferreirinha, presidente da MCF Consultoria e ex-executivo da Louis Vuitton América Latina. Ele, que em 2018 completa 30 anos dedicados ao setor do mercado de luxo, conversou com a equipe do Por Trás da Moda para falar sobre os avanços dessa área ao longo dos últimos anos.
Por Trás da Moda: Grande parte das marcas de luxo surgiram anos atrás. Você acredita que elas sentiram o impacto das mudanças que vieram com o avanço da internet?
Carlos Ferreirinha: Muito! Esse é o momento mais importante na atividade do luxo: como essas marcas, grande parte delas já centenárias, continuam relevantes para a geração millennial? Como elas serão sedutoras e atrativas para uma faixa etária que possui outros tipos de conexão e de expectativas? A Louis Vuitton, por exemplo, fez uma parceria com a Supreme, que é uma marca vanguarda americana de skatewear. Já a Chanel fez esmaltes de unha para dialogar com os jovens, não está mais falando somente com as senhoras. As marcas estão fazendo reflexões para continuar sendo contemporâneas na percepção dessa nova base de consumidores. Os hábitos passam por um período de alteração e todos estão pensando em como continuar sendo atrativos diante de um mundo que está mudando a forma de consumo.
PTM: A área de beleza das marcas de luxo podem ser consideradas como uma porta de entrada para potenciais consumidores?
Ferreirinha: Sim, porta de entrada para algumas marcas, enquanto para outras é a sua razão de existência. Um perfume Chanel, dentro do mundo da Chanel, é um exercício de acessibilidade. Se você olhar no mundo da perfumaria, o perfume da Chanel no Brasil custa entre R$ 800 e R$ 1200. Na França, com todo o prestígio que a marca tem na base social francesa, o produto representa entre 6 e 8% do um salário mínimo de uma pessoa – enquanto no Brasil o perfume Chanel é quase o salário mínimo de uma pessoa. A gente precisa colocar essas coisas em perspectiva. Ele é mais acessível, mas acessível para quem?
PTM: Atualmente, quais são os maiores desafios das marcas de luxo para chegar nas pessoas?
Ferreirinha: Primeiro, a relação entre timeless e timely: como você mantém a sua história, a sua tradição, atualmente? Como se manter atualizada diante de tanta história e tradição? Uma das colunas vertebrais da atividade de luxo é a exclusividade. Muitas marcas foram profissionalizadas: você está em uma esfera de gente profissional, então tem que crescer, faturar e lucrar, e ao mesmo tempo se manter exclusiva – sendo que a exclusividade é quase o oposto disso. Há uma pressão muito grande do que é a força mercadológica, e outro lado forte falando que devemos atrelar isso com a questão da exclusividade.
Outro elemento é a Internet, que é o oposto do mundo do luxo. É por isso que algumas marcas ainda estão muito atrasadas nesse quesito, enquanto outras estão fazendo trabalhos extraordinários. O luxo dialogou ao longo desses anos dizendo: “Eu defino se eu vendo ou não vendo pra você. Você vai esperar essa bolsa, que demora três ou quatro meses pra ser feita, que é costurada à mão, e eu vou te colocar em uma fila de espera”. Na Internet você não sabe quem está comprando e não pode pedir para a pessoa esperar por três meses. Você não vai esperar nem três minutos se alguém não te responder.
PTM: O mercado de luxo está sentindo o impacto da entrada do mercado de luxo de segunda mão, como os brechós de luxo?
Ferreirinha: Se me fizerem essa pergunta daqui a dez anos, eu terei outra resposta. Hoje, digo que ainda não, não faz nem cócegas. Mas esse é um movimento que está se iniciando e que todos devem ficar atentos. Se mudarem ainda mais os hábitos de consumo, pode ser que daqui a pouco aquilo que não é bacana, que é você comprar um produto de segunda mão, possa se tornar interessante. Pode ser que as pessoas vejam um valor maior em locar as coisas. A nova geração, por exemplo, está dando indicadores de que a experiência será mais importante do que a posse: Uber e Netflix estão aí para provar isso. A evolução de negócio, de mercado, é você se adaptar o tempo inteiro. As marcas de luxo precisam se reinventar.
PTM: Você acha que o consumo é uma experiência exclusiva aqui no Brasil?
Ferreirinha: A compra do luxo já é por si uma natureza exclusiva. Todo produto e serviço que está disponível para todos a qualquer preço, e a qualquer forma, é uma experiência de consumo popular. O Brasil é um país de muitas caras e cores, que mudou muito nos últimos anos. Mas essa exclusividade precisa ser mais democratizada. A Sephora, por exemplo, é a maior operação de varejo de cosméticos do mundo, que tem um arquétipo de luxo, mas é democrática: lá você consegue comprar produtos de R$ 40. Nos últimos dois anos, a marca criou quiosques e a venda cresceu três vezes – isso porque teve um indivíduo que fez compras no shopping Center Norte (zona norte de São Paulo) e que jamais se sentiria capaz de comprar no shopping JK (zona sul da capital paulista), mas que no quiosque se sente capaz. Então, mesmo sendo exclusiva, é uma loja que consegue ser mais democrática no diálogo com esse consumidor.
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