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A importância do Direito na proteção do mundo da moda

Atualizado: 14 de nov. de 2018

São pouquíssimas as leis que englobam o setor, mas a atuação e preocupação

dos advogados crescem cada vez mais

Foto: Acervo Wix

Por Anna Beatriz Oliveira e Bárbara Gaspar


Imagine que você é um aspirante a estilista que precisa de algo bombástico para alavancar a sua carreira. E então, se lembra de uma coleção feita há alguns anos, da qual provavelmente ninguém mais se recorda. Por que não se inspirar nela para criar novas estampas para as suas roupas, bolsas e sapatos? Cuidado, a criação de moda não é tão simples como parece.


Muito além do aspecto criativo – ou imitativo – a moda envolve setores diversos, como comunicação, marketing e até mesmo o Direito. E não é preciso ir muito longe para identificar os reflexos jurídicos nesta área: é só pensar em quantos papéis precisam de assinaturas para que um desfile aconteça ou para que as modelos possam pisar na passarela, e em como estilistas e grifes fazem de tudo para proteger as suas criações de possíveis plágios.


O Direito da Moda, também conhecido como Fashion Law, é um ramo relativamente novo, que trata de diversos problemas que andam lado a lado com esse setor: direitos autorais, trabalho escravo e infantil e pirataria, por exemplo. À medida que o mercado de moda foi desenvolvendo relações cada vez mais complexas, percebeu-se que esse universo não poderia mais funcionar de maneira eficiente sem a proteção adequada de leis e dispositivos jurídicos para evitar possíveis "dores de cabeça". E foi então que o Fashion Law entrou em ação.


No Brasil, o Direito da Moda ainda não conta com um código legal próprio e há pouquíssimas leis sobre o assunto. No entanto, a área não passa despercebida. Vários grupos que se preocupam com o tema defendem o assunto, como o Instituto Brasileiro de Negócios e Direito da Moda e a Comissão de Direito da Moda da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – que já atua nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina e Paraná.


"A indústria têxtil brasileira tem quase duzentos anos e é a segunda maior empregadora da indústria de transformação, perdendo apenas para o segmento de alimentos e bebidas", contextualizou Thays Leite Toschi, presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB, em entrevista ao Por Trás da Moda.


Os dados são da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) e, para Thays, justificam a criação de um grupo de estudos do Direito voltado para este setor da economia. "O Fashion Law é um ramo mercadológico do Direito. É interdisciplinar, por que conversa com todas as áreas do Direito, e multidisciplinar, porque exige conhecimento específico da indústria, saber como são os negócios elaborados dentro desse segmento", explicou.


Por essas razões, o Direito da Moda não pode ser restrito a uma única área de atuação. Embora a moda ainda seja muito atrelada à visão de mercado de luxo, o Fashion Law deve assegurar os direitos das partes que formam toda a extensa cadeia da moda – do início, com a criação e produção das peças, até o fim, com o consumo. É desse modo que a área específica da advocacia conversa com o direito ambiental, em casos sobre uso de matéria-prima e sustentabilidade da produção; e com a área trabalhista, para garantir os direitos dos costureiros e demais profissionais, por exemplo.


Imagem: Por Trás da Moda Site - Bárbara Gaspar

O trabalho desses advogados é fundamental para garantir condições mais justas para quem faz parte da cadeia da moda. Para as marcas mais tradicionais no ramo fashion, o Direito da Moda representa, muitas vezes, a proteção do design inovador de roupas, bolsas e sapatos. Além disso, contribui para resguardar características que fazem essas marcas exclusivas.


Uma delas é a francesa Hermès, fundada no século XIX por Thierry Hermès para produção de artigos para montaria, como arreios. Hoje, ocupa a segunda posição no ranking das mais valiosas empresas na França, perdendo apenas para a Louis Vuitton. Com o tempo, a Hermès se tornou conhecida como uma marca de luxo especializada em peças de seda e couro. As bolsas, de design clássico e estrutura geométrica, são objeto de desejo de todas as fashionistas.


As it-bags Kelly e Birkin, da Hermès, assim como todas as bolsas de grife, sofrem com as falsificações. O fascínio pelas peças gera grande demanda, que não é correspondida pela oferta. Faz parte da essência das marcas de luxo características como exclusividade, materiais da mais alta qualidade e produção manual - que pode demorar meses. Todos esses fatores colaboram para que o preço seja elevado, inclusive o fetiche que a marca gera em seus consumidores, que desejam ser associados às grifes. O mercado de falsificações identificou essa necessidade e passou a produzir réplicas de it-bags.

Além do Direito da Moda defender as empresas da falsificação, tem papel fundamental em proteger as criações artísticas. No caso das bolsas Kelly e Birkin, feitas em couro e fechadas com um cadeado característico da Hermès, houve um processo no Tribunal de Justiça de São Paulo para garantir a exclusividade do modelo à grife. Isso porque a marca Village 284 começou a produzir e vender bolsas com design idêntico e de material menos nobre, garantindo um preço bem menor se comparado com as originais.


O Tribunal reconheceu que as bolsas da Hermès são criações artísticas originais e, por isso, não podem ser reproduzidas. A justiça considera as peças de moda como obras de arte, protegidas pela Lei de Direito Autoral.


Apesar da relevância – e urgência – da atuação dos advogados para os direitos da cadeia fashion, essa área é também recente mundo afora. O primeiro curso sobre o tema foi criado em 2006 e ministrado na Fordham Law School, universidade localizada em Nova York, nos Estados Unidos. Outro marco internacional da área foi a inauguração do Fashion Law Institute (Instituto de Direito da Moda), em 2010. Criado por Susan Scafidi, com o apoio do Council of Fashion Designers of America (associação comercial, sem fins lucrativos, de mais de 350 agências de moda mais importantes dos EUA) e da estilista norte-americana Diane von Furstenberg, o Instituto é o primeiro centro acadêmico dedicado às questões legais que envolvem a indústria da moda.


Para quem deseja conhecer melhor a área e busca uma especialização nesse ramo do direito no Brasil, já existem possibilidades. O IBMEC do Rio de Janeiro criou o primeiro curso de extensão em Direito da Moda no país em 2014, que não é mais oferecido pela instituição. A Escola Superior de Advocacia da OAB SP foi a segunda a apresentar o curso, que está disponível até hoje. Além dele, os profissionais podem contar com o Fashion Business Law Institute (FBLI), que oferece cursos de capacitação para incentivar o empreendedorismo na moda. O Instituto atua em parceria com diversos atores da cadeia fashion, como a Associação Brasileira de Estilistas (ABEST) e a OAB.


Comissão de Direito da Moda de São Paulo


A presidente da Comissão de Direito da Moda, Thays Toschi, falou um pouco sobre as suas dificuldades para fundar a comissão na OAB, onde trabalha voluntariamente desde 2007. "Eu elaborei um projeto e tentei implementá-lo algumas vezes, mas tive algumas dificuldades por conta da temática. Em um primeiro momento, as pessoas associam moda à futilidade, o que é um absurdo", apontou Toschi. Era como se ela e todos os profissionais ligados à causa sempre precisassem justificar a relevância do tema.

Em 2012, a advogada iniciou um grupo de Tutoria de Fashion Law e, um ano depois, a Comissão foi institucionalizada através da Jovem Advocacia. A ousadia representou um avanço no Direito brasileiro e os primeiros passos do Direito da Moda do país: a partir daí, foram criadas comissões em outros estados.


Quando nos encontramos com Thays, em um salão do prédio onde mora na cidade de São Paulo, seu celular não parava de receber ligações do trabalho. A demanda de tarefas provou que a função desempenhada por esses advogados é mais do que necessária.


A presidente da Comissão de Direito da Moda relembra, com o entusiasmo da antiga iniciante, o primeiro evento fashion dentro da Ordem. Foi realizado com a Vogue, para falar sobre o desenvolvimento de uma revista e do conhecimento jurídico necessário para isso. Nas palavras de Thays, "a maior revista de moda do país dentro da instituição mais importante da advocacia". Esse foi o início da comissão independente, que se expande cada vez mais.

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