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A batalha das marcas de luxo para sobreviver no Brasil

Atualizado: 15 de nov. de 2018

O país não é – e nunca foi – prioridade para o setor, que faz de tudo

para se manter no mercado

Foto: Shutterstock

Por Amanda Ravelli, Anna Beatriz Oliveira e Laís Fernandes


Bastante conhecidas e pouco acessíveis para todos os públicos, as marcas de luxo se perpetuam no setor fashion ano após ano, influenciando o mercado de moda popular, ditando as tendências e despertando desejos. A área, apesar de continuar crescendo, enfrenta dificuldades como a de se adequar às novas realidades tecnológicas sem perder sua essência de exclusividade e, é claro, vencer o problema dos produtos falsificados.


No Brasil, o segmento de luxo nunca foi prioridade. E, mesmo após anos de desenvolvimento, o mercado ainda não tem muita representatividade: a marca internacional mais bem-sucedida no Brasil representa 1% do resultado global. Os dados foram informados por Carlos Ferreirinha, presidente da MCF Consultoria e ex-executivo da Louis Vuitton América Latina.


Apesar de se tratarem de marcas conhecidas, ricas e influentes, a luta para que elas sobrevivam no Brasil e no restante da América Latina é intensa. "Nós não somos prioridade. O tempo inteiro é preciso defender o País como viável", afirmou Ferreirinha. O desafio de se mostrar criativo e inovador é constante, considerando que filiais brasileiras concorrem com países como Estados Unidos, Japão e Austrália. "Eu chegava nas reuniões mundiais tendo que falar de Brasil, Colômbia e Peru. Ninguém queria ouvir. É uma diferença muito grande, porque aqui a gente briga para existir e lá eles são a existência", acrescentou.


Além de enfrentar os desafios das altas taxas de importação praticadas no Brasil, o que eleva ainda mais o preço dos produtos, as marcas de luxo enfrentam outro obstáculo: o país tem uma cultura emergente com um povo caloroso e que gosta de se sentir especial, principalmente quando vai às compras. É complicado para as marcas que majoritariamente são de uma cultura europeia mais fria e distante entenderem um outro tipo de consumidor, com outras necessidades. "Você não pode entrar em nenhuma loja lá fora e falar ‘Me vê um copo de água'. Aqui o brasileiro entra na loja e já espera ter champanhe. As marcas precisam gerar empatia com o brasileiro na linguagem local", Ferreirinha explicou.


Ao mesmo tempo, o brasileiro é consumista. Somos uma parcela da população mundial que não tem tanto dinheiro, mas que pode servir de vitrine. Essa sequência pode ser exemplificada pelo termo inglês “showroom”, querendo dizer que estudamos o que está disponível, viajamos e compramos lá fora. Um processo que também é feito através da internet: visitamos lojas físicas e depois buscamos variáveis de preços online, para ter o melhor custo-benefício.


O setor de luxo começou a chamar a atenção de uma parte significativa do público do Brasil a partir de 2000, simultaneamente à criação do jornal Valor Econômico – publicação voltada para economia, finanças e negócios brasileiros. Esse é um momento que coincide com o movimento dos grandes conglomerados luxuosos lá fora, que começam a se expandir e atuar em países emergentes, incluindo o Brasil.


Foi o que afirmou Angela Klinke, diretora de estratégias de conteúdo na Approach Comunicação e ex-editora de consumo e comportamento do Valor Econômico e colunista da Blue Chip, publicada no jornal. "O Valor criou uma demanda por esse tipo de assunto que não era coberta por outros jornais. Na época, o mercado de luxo já era um universo coberto pela imprensa internacional dos países mais ricos em um contexto econômico. Então nós passamos a introduzir o tema dentro do jornal como mais um setor da economia, não somente como uma tendência", ela explicou em entrevista ao Por Trás da Moda.


Por ter grande interesse na área, Angela passou a ter proximidade com vários empresários do mercado e até criou uma relação com Eliana Tranchesi, da Daslu. "É preciso entender como é feita a distribuição de produtos lá fora: diferente do Brasil, as marcas têm as suas próprias lojas, e cada uma tem a sua própria loja de departamento. No nosso país não existiam lojas de departamento, então, naquela época, se uma marca queria adentrar o mercado brasileiro, ela entrava pela Daslu – que era o grande polo de atração do Brasil.”


 

RELEMBRE O CASO DASLU


Maior loja de artigos de luxo da cidade de São Paulo, a Daslu foi acusada de importação irregular por meio de crimes de descaminho e sonegação fiscal. A empresa teria construído um esquema para subfaturar importações com o objetivo de sonegar impostos.


A crise na Daslu começou em julho de 2005 com a megaoperação Narciso, da Polícia Federal e da Receita Federal, que resultou na detenção, por 12 horas, de Eliana Tranchesi e na apreensão de documentos.


A Daslu foi acusada de ser responsável pela negociação, compra, escolha e pagamento de mercadorias no exterior. Depois entravam em cena as importadoras, responsáveis pela falsificação de documentos e faturas destinados a permitir o subfaturamento do valor das mercadorias. Durante a investigação, procuradores encontraram subfaturamento de até 9.374%.

 

Para Angela, a verdade é que indústria de luxo olhou para o Brasil por causa da Daslu. "Já cheguei a ouvir de executivos que se não fosse por essa ‘pequena questão com a Receita Federal’, se a Daslu tivesse mantido seu projeto, grandes marcas – como a Chanel – estariam operando dentro da multimarcas. Começaram a perceber como as vendas cresceram e que o brasileiro estava viajando para comprar luxo lá fora. Passaram a olhar para a gente."


Inspirada no caso Daslu, Angela escreveu o livro Luxo e Crime, uma obra de ficção ambientada nos bastidores de luxo. Em um dos episódios, por exemplo, as pessoas estão discutindo o porquê de existirem marcas, chegando à conclusão de que elas são "importantes porque qualificam e trazem investimento". O que é uma realidade, já que os critérios das empresas para adentrarem diferentes mercados são muitos: a entrada de uma marca significa que existe um público consumidor para tal.

Atualmente, lidar com a popularização das marcas e a expansão tecnológica, que aumentou o engajamento do público – mas que não significa acessibilidade para todas as classes sociais –, são alguns dos grandes desafios que o segmento de luxo enfrenta. O movimento se inverteu tanto que algumas marcas passaram a procurar nomes de street wear para fazer parcerias. Um exemplo é a francesa Balmain, que assinou uma coleção em parceria com a loja de departamentos H&M, em 2015, para ampliar seu conhecimento e criar experiências em setores onde não estava inserida, gerando uma grande repercussão na mídia.


"As marcas tiveram que enfrentar a popularização, mais pessoas sabem o que é uma Chanel e uma Prada hoje em dia. Mas isso não quer dizer que as pessoas podem vir a comprar uma original. Essas marcas tiveram que adotar essa linguagem e essa mentalidade à sua lógica industrial. Ninguém ficou imune a revolução digital, nem as marcas de luxo", concluiu Angela.

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